UM PRATO UMA HISTÓRIA

Manjar branco, da medicina europeia a um símbolo da mesa brasileira

Foto de banco de imagem.

O manjar branco, tão corriqueiro nas mesas brasileiras, já foi comida de realeza e considerado, séculos atrás, um prato perfeito para a saúde. Mas que história é essa? Ela começa a partir de uma lógica muito simples: a estreita ligação, desde a Antiguidade, entre culinária e medicina. Até praticamente o início do século 19, não existiam remédios químicos feitos em laboratório. Uma das formas mais comuns de cuidar da saúde era a utilização de plantas. A outra era tentar não ficar doente, e comer adequadamente.

Foto de banco de imagem.

Porém, no período de nascimento dessa sobremesa que se pensa ser tão brasileira, lá pelo século 15, a ideia de uma alimentação equilibrada era bem diferente. Como a história é longa, o mais importante é entender que se buscava sempre um equilíbrio entre os fluídos do corpo por meio da alimentação, que, por sua vez, dependia de características do indivíduo – desde sua idade e sexo até sua profissão e local de habitação. Por isso, a ligação entre medicina e culinária deu muito trabalho aos cozinheiros da época medieval.

Nessa complexa lógica médico-culinária, açúcar, amêndoas, arroz e frango ganhavam uma condição singular, eram tidos como alimentos muito próximos da condição natural do corpo humano. E aí chegamos ao nosso ponto: é por isso que um dos pratos clássicos da cozinha medieval de reis, rainhas e nobres era feito a partir desses ingredientes.

Seu nome? Blancmange, manjar branco em francês. Essa receita real era um purê espesso, feito do cozimento do frango com farinha de arroz, leite de amêndoas e açúcar, e considerado um prato perfeito para a saúde. Em Portugal, seu primeiro registro está no manuscrito do século 15 chamado O Livro de Cozinha da Infanta d. Maria, o mais antigo receituário português que conhecemos. E, assim como em Portugal, a nobre e saudável receita vai atravessar séculos sendo publicada em livros culinários pela Europa.

Um banquete real do século XVI (fonte: Gallica.fr).

No Brasil, o manjar branco aparece no nosso primeiro livro de cozinha, o Cozinheiro Imperial, publicado em 1840. Na receita, ainda vigoram ingredientes como o frango, o arroz e o açúcar, mas o seu sentido médico desaparece, já que outras concepções sobre saúde viriam tomar o lugar da antiga medicina.

Nos livros de cozinha posteriores, o manjar brasileiro vai ganhar casquinhas de limão, pitadas de canela e uma passagem pelo forno depois de cozido, mas continuará, por algum tempo ainda, sendo consumido apenas pelas ricas elites do Rio de Janeiro, que traziam na memória o gosto pelos pratos da família real portuguesa.

Não sabemos, ainda, em que momento o manjar branco ficou com a cara que conhecemos hoje – feito com o leite do coco e a calda de ameixa, e sem, claro, a galinha e o arroz –, mas algo parecido já está registrado em 1920 no livro O Cosinheiro Brasileiro (assim mesmo, com “s”), onde se lê: “Rala-se um coco, põe-se 2 copos de água na massa do coco e passa-se em um pano; depois, põe-se, no caldo do coco, 2 colheres de maizena, 1 colher de manteiga e açúcar até adoçar bem. Vai ao fogo e, depois de cozido, despeja-se em uma forma. Quando frio, põe-se no prato.” Mesmo sem o seu sentido original, não é que o manjar branco continua perfeito?

 

Por aipim.