UM PRATO UMA HISTÓRIA

Que fim levou o estrogonofe?

Foto de banco de imagem.

Receitas seguem moda. Nos anos 1970, nenhuma recepção paulistana ou cardápio de restaurante sofisticado prescindiam do requintado estrogonofe. A moda passou, e a receita acabou confinada a cozinhas domésticas de resistência ou adormecida nos cadernos de receitas da vovó.

Mais de uma década atrás, em sua coluna semanal na Folha de S.Paulo, a saudosa escritora e banqueteira Nina Horta reclamava dos clássicos que haviam desaparecido: “O ‘que fim levou’ mais dramático é o estrogonofe, adorado pela maioria e confinado à breguice mais medonha”, escreveu. Num dos receituários da também memorável culinarista Wilma Kövesi está a receita: tirinhas de filé-mignon embaladas num espesso molho à base de creme de leite e condimentado com molho inglês, mostarda e ketchup. Para finalizar, champignon.

Foto: Canva

Há diversas histórias sobre o famoso prato, e todas elas têm em comum a Rússia como seu lugar de origem. A versão mais verossímil é a que está registrada na Larousse Gastronomique, a enciclopédia de comida mais famosa do mundo. Segundo a bíblia gastronômica francesa, o prato faz parte da cozinha russa clássica e se tornou conhecida na Europa, em diversas versões, no século 18.

Nasceu no seio da família Stroganov, ricos mercadores, banqueiros e patronos das artes. Certa vez, um membro da família que participou do governo do czar Alexandre I (1777-1825) empregou um cozinheiro francês, que deve tê-lo homenageado dando seu sobrenome à receita por ele criada. Há, porém, continua a Larousse, quem atribua o prato ao verbo strogat, que em russo significa “cortar em pedaços”.

Seja como for, o prato originalmente levava tiras de filé, lombo ou alcatra de boi temperado com sal, pimenta e páprica e coberto com um molho feito dos sucos da carne acrescidos de vinho branco, creme e cebolas na manteiga. Outras versões combinam cogumelos preparados em separado, carne marinada ou creme azedo temperado com mostarda e suco de limão.

De fato, a histórica família tem raízes profundas na cultura russa. Uma reportagem no The Moscow Times – jornal independente, escrito em inglês e sediado na capital da Rússia – revela a dimensão da riqueza e importância desses aristocratas na história do país desde o século 17. E não há riqueza que se preza sem banquetes memoráveis, não é?

Alexander Stroganov. (Fonte: Getty Images)

De acordo com a autora, Jeniffer Eremeeva, os Stroganov controlavam “riquezas inimagináveis”, como minério, sal, peles e madeira, que os mantiveram perto do trono. Quando a Casa Romanov assumiu o trono do Império Russo introduziu a cultura europeia em São Petersburgo, a nova capital, e, com ela, os chefs franceses.

Entre as lendas sobre como o clássico prato de carne com molho de creme recebeu seu nome aristocrático está a história do conde Grigory Strogonoff (1770-1857), que tinha problemas nos dentes e seu chef francês cortava a carne em pedaços menores do que uma mordida, misturando-os a um rico molho de creme para ajudar o nobre a engoli-la.

O fato é que o prato apareceu num receituário russo famoso, compilado por Elena Molokhovets, em meados do século 19. Enxuta, a receita incluía mostarda e pimenta-da-jamaica para temperar o creme que banhava a carne. Em 1912, a autora culinária Pelagia Alexandrova-Ignatieva deu uma caprichada, com a adição de cogumelos, cebola e molho de tomate. Também recomendou servir strogonoff acompanhado de palitinhos de batata, como até hoje se faz no país.

De lá, o estrogonofe fugiu com os russos durante a Revolução de 1917 e aportou na China, onde ganhou temperos picantes e molho de soja, e passou a ser servido com arroz. O prato tornou-se popular entre os soldados norte-americanos que estavam no país durante a Segunda Guerra Mundial, e foi parar nos Estados Unidos. E, embora o strogonoff fosse uma iguaria russa, na América do Norte ganhou colheradas do genuíno ketchup.

Pratos memoráveis têm, quase sempre, diversas histórias para contar. No Brasil, a controvérsia ficou na ortografia. Em 1966, a então revista do jornal carioca O Globo provocava: “é strogonoff, strogonov ou stroganov?”

E, em 2021, o prato volta com tudo. Em tempos de pandemia, o estrogonofe ressurgiu nos cardápios de restaurantes que sobrevivem entregando comida. O chef Pedro de Artagão, do Rio de Janeiro, até criou uma marca dedicada a ele: Oficina do Estrogonofe. Em São Paulo, a chef Daniela França Pinto, do Cortés Asador, acaba de incluir a receita em seu cardápio, assim como o Tujuína, um dos restaurantes de Ivan Ralston. Há, ainda, casas que se dedicam ao prato, como o Nof. O cafona, vejam como é a moda, voltou a ser um clássico.

 

por aipim