por Ana Bueno*
Quando comecei a trabalhar na cozinha, na década de 1980, não havia faculdade ou cursos de formação em gastronomia no Brasil. Naquela época, as equipes dos restaurantes eram compostas, em sua maioria, por nordestinos e mulheres que, sem qualificação, encontravam, na cozinha a oportunidade de tirar seu sustento.
Os jovens que se interessavam por gastronomia, tinham acesso à informação e condições financeiras, viajavam para a Europa, com o objetivo de trabalhar em restaurantes estrelados e, quem sabe, estudar nas renomadas escolas de cozinha. A história da alta gastronomia no Brasil começou a mudar com o retorno desses jovens ao país, e, particularmente, em 1999, quando foi inaugurada a primeira graduação em gastronomia, na Faculdade Anhembi Morumbi, em São Paulo.
Outro marco foi a chegada de chefs estrangeiros, como os franceses Claude Troisgros, Laurent Suaudeau e Emmanuel Bassoleil, além dos italianos Danio Braga e Francesco Carli, entre outros, que usaram ingredientes nacionais em suas preparações. Surgiram depois novos cursos, faculdades e escolas de gastronomia, e pessoas de todas as idades foram seduzidas pelo mundo “teoricamente” glamouroso da cozinha.
O resultado foi uma oferta maior de mão-de-obra com formação teórica, mas que ainda precisava da prática para se firmar no mercado. No encontro diário com a cozinha, nem todos continuaram, pois é necessário, também, ter comprometimento, dedicação e disciplina. Também foi preciso tempo para que entendêssemos que nosso patrimônio gastronômico é cultura, conceito vai além do prato e que define tudo o que abraça o alimento. Somos ricos em ingredientes, técnicas, diversidade e ainda estamos construindo e reconhecendo muitos de nossos produtos.
Compreender o território, os processos e hábitos alimentares é parte importante da formação de um cidadão. A alimentação saudável e consciente, e a valorização de produtos e produtores transforma a realidade de uma cidade no que diz respeito à saúde, educação, cultura e economia, e pode trazer mudanças consideráveis de ordem sustentável, social e governamental.
A expansão de cursos técnicos e faculdades de gastronomia no interior também pode ser transformadora, principalmente em lugares sem opção de formação, como acontece em Paraty. Ao pensar na pandemia, não podemos esquecer do crescimento da possibilidade de ensino a distância, que pode mudar muita coisa.
Atualmente, existem cerca de 130 faculdades de gastronomia, a maioria nas capitais, ou seja, fora do alcance de grande parte dos cerca de 5,5 mil municípios brasileiros. Além disso, os cursos custam caro, deixando muita gente talentosa de fora. É preciso mais acesso ao ensino. No meu restaurante, dos 30 colaboradores, só um tem formação acadêmica em gastronomia.
Apesar de saber que há grandes cozinheiros que aprenderam na prática, sinto falta de ter trabalhadores com formação acadêmica na minha equipe. Conheço a força da minha cidade, das pessoas que vivem aqui. Já rodei muitas cozinhas desse Brasil, além de mercados e feiras… Assim, acredito que educação alimentar local ou de base e graduação na área gastronômica são divisores de águas, principalmente no interior do país.
Há uma força em potencial na juventude, nas mulheres e homens que vivem longe das capitais, ávidos por uma oportunidade. Como empresária e cozinheira há quase trinta anos, deixo aqui meu registro de lutas que continuam, na busca de trazer qualificação para os cozinheiros de Paraty. Fiz isso nas 15 edições da Folia Gastronômica (evento sem fins lucrativos que promove a educação profissional na cozinha), com a Escola de Comer, nas parcerias com o Senac do Rio de Janeiro, nas conversas com a Betty Kövesi (da Escola de cozinha Wilma Kövesi, em São Paulo), com amigos chefs. Continuo querendo trazer oportunidades para minha cidade. Pelo meu restaurante, Banana da Terra, e porque desejo que mais pessoas sejam felizes e realizadas nessa profissão, que me trouxe tudo.
Ana Bueno é chef e proprietária do restaurante Banana da Terra, em Paraty (RJ)
Instagram: @anabueno_paraty