Sem o açúcar não se compreende o homem do nordeste. A frase, do grande sociólogo Gilberto Freyre, define o lugar central deste ingrediente na vida cultural, econômica e social de boa parte do Brasil. Pernambucano, Freyre deve ter se deliciado ao escrever sobre doces, especialmente os de sua terra, tão particulares, de nomes cativantes, quando não cheios de pompa e muito, muito açucarados.
A cartola é uma dessas gostosuras. Banana frita ou assada, coberta por queijo manteiga e polvilhada com canela e açúcar. Uma das mais tradicionais sobremesas de Pernambuco, em 2009 foi elevada a Patrimônio Cultural Imaterial do Estado. Porém, pouco se sabe do doce: quem o preparou pela primeira vez, onde, quando, o porquê do nome… O que se sabe, isso sim, é a maneira de fazê-lo.
Não há quem passe por Recife e saia de lá sem ter provado a cartola. Seus ingredientes são bem específicos: a banana, bem madurinha, assada ou frita, deve ser a prata – e os pernambucanos, muito sabidos de sua cozinha, dirão que a variedade foi trazida pelos portugueses das Ilhas Canárias. O queijo derretido não é qualquer um: é o do sertão, também chamado queijo manteiga, feito a partir da manteiga de garrafa, e esparramado sobre a fruta. Já a canela, quase onipresente na doçaria fina portuguesa, polvilha generosamente o doce, embaralhada ao açúcar abundante produzido nos antigos engenhos.
Há quem suspeite que o doce recebeu esse nome por conta da sobreposição de camadas de banana e queijo, somada à cor escura conferida pela canela – que lembra uma cartola, que enfeitava antigamente a cabeça dos lordes ingleses.
Nas casas-grandes pernambucanas, os doces mais finos eram produzidos na cozinha pelas senhoras. Embora parte deles tenha vindo de Portugal e se estabelecido firmemente por aqui, outros foram rearranjados com os produtos locais, na falta ou carestia dos originais. Alguns, porém, surgiram no interior dos próprios engenhos, aproveitando a fartura de açúcar e combinando-o a outros ingredientes da terra, como frutas e os produtos da mandioca.
A cartola é, sem dúvida, filha da terra. Nasceu nas casas-grandes dos engenhos, ainda durante o Brasil colônia. E misturou outras práticas alimentares: a banana frita é costume africano, de cativos negros vindos de Gana. E a canela era especiaria fina e rara, muito valorizada pela nobreza lusitana. Embora Freyre não tenha citado a cartola em seu famoso Açúcar, uma sociologia do doce, escrito em 1939, certamente lambuzou-se com ela ao largar a caneta.
por aipim